sexta-feira, 12 de junho de 2009

EUNUCO

"Porque há eunucos que nasceram assim; e há eunucos que pelos homens foram feitos tais; e outros há que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Quem pode aceitar isso, aceite-o." (Mt. 19:12)

O Evangelho segundo Mateus, no versículo acima transcritos, faz menção a uma figura pouco considerada, em aplicação prática, pelos cristãos de hoje: o eunuco.
Ao se referir ao gênero, o Senhor identificou três espécies de eunucos: A primeira refere-se àquele que já nasce eunuco, ou seja, no aspecto físico, é um portador de anomalia genética, que por mais que pareça anormal ou constrangedora é alheia à sua vontade, pelo que com o tempo e a convivência cômoda com a situação, passa a ser aceitável e considerada normal, pelo próprio paciente, que mesmo não desejando, aceita.
A segunda espécie é o eunuco que pelos homens foram feitos. Aqui já se trata de alguém que mesmo tendo nascido com saúde física normal, foi vítima de mutilação violenta praticada por outros. Neste caso, além de se tratar de uma situação indesejada, é também resistida. Uma vez quebrada a resistência pela utilização de métodos humanos de convencimento, o paciente passa a aceitar e conviver com a situação, em razão de um interesse, e dela passa a usufruir.
A terceira espécie é aquela em que o próprio paciente se fez eunuco de maneira volitiva e por um motivo prazeroso. Neste caso, existe uma causa que lhe dá prazer em ser eunuco: o anelo de servir por amor. Isto é fruto de um sentimento muito nobre e o único aceitável para justificar a conduta do paciente: O amor pelo Rei e o respeito à sua autoridade.
De fato o Senhor utilizou figuras simples, conhecidas e de significado muito prático para nos ensinar. Porém, que lição espiritual poderíamos tirar da figura do Eunuco? O que isto representa no contexto da economia de Deus?
A história dos povos antigos é pródiga em exemplos onde mostra a relevância dos serviços de um eunuco e sua importância diante do Rei. Assim, um eunuco, era alguém que ocupava um cargo em determinado reino, cuidando de interesses pessoais do Rei. Para ser investido neste cargo era necessário merecer a total confiança do Rei, pois tinha por atribuição cuidar, especialmente, da pessoa da Rainha, a esposa do rei. Por assim ser, rei nenhum confiava a sua rainha a homem viril, pelo que aquele que desejasse cuidar da rainha, por amor ao Rei, devia se tornar um eunuco, ou seja, abrir mão de sua masculinidade. Isso implicava passar por um processo de transformação física, como forma de perder a virilidade e afastar qualquer possibilidade de toque pessoal na esposa do Rei. Desta maneira, o eunuco, mesmo sendo um homem, agia e cuidava da rainha como se homem não fosse. Assim, além da confiança do Rei, da rainha, e de todo o reino, o eunuco era sempre muito bem recompensado.
A Bíblia, no livro de Ester, nos mostra um exemplo destes. Vê-se ali que o Rei Assuero confiou a um eunuco todo o cuidado com a futura rainha. Tinha total acesso à sua recâmara, inclusive para cuidar-lhe do banho com as especiarias aromáticas da corte. Cap. 2: 3, 8 e 15: “Ponha o rei comissários em todas as províncias do seu reino, que reúnam todas as moças virgens, de boa aparência e formosura, na cidade de Susã, na casa das mulheres, sob as vistas de Hegai, eunuco do rei, guarda das mulheres, e dêem-se-lhes os seus ungüentos. Em se divulgando, pois, o mandado do rei e a sua lei, ao serem ajuntadas muitas moças na cidade de Susã, sob as vistas de Hegai, levaram também Ester à casa do Rei, sob os cuidados de Hegai, guarda das mulheres. Ester filha de Abiail, tio de Mordecai, que a tomara por filha, quando lhe chegou a vez de ir ao rei, nada pediu além do que disse Hegai, eunuco do rei, guarda das mulheres. E Ester alcançou favor de todos quantos a viam”
Também o livro de Atos, faz referência a um certo eunuco, oficial de Candace, rainha etíope, que foi evangelizado por Filipe. Era, sem dúvida, alguém de destaque naquele reino, por oficiar junto à rainha, cuidando, inclusive, dos seus tesouros. Também o Apóstolo Paulo, ao falar de casamento, deixou claro ter feito sua opção de se tornar eunuco, por amor do reino. “Quero que todos os homens sejam tais como também eu sou; no entanto, cada um tem de Deus o seu dom; um, na verdade, de um modo; outro, de outro. E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado”. (I Co. 7:7-9)
Olhando para a figura do eunuco, da rainha e do rei, fica claro o propósito do Senhor, ao falar sobre estes. O Senhor é, sem dúvida, o Rei do Reino dos Céus. A Igreja é a sua noiva (Ester) que deve ser bem cuidada por eunucos de confiança para ser entregue como esposa, (Rainha) na condição de virgem pura. Virgem Pura é sempre a noiva que não foi tocada pelo homem. Assim, o Senhor nos confiou a Igreja para que dela cuidássemos. Porém, não permite que nela toquemos com a nossa naturalidade. O preparo da noiva deve ser com banhos aromáticos agradáveis ao noivo. Isso indica que a igreja deve ser cuidada com o aroma suave do amor fraternal, que emana do amor de Deus, e defumada com o mais precioso incenso: O perfume de Cristo.
Ser eunuco espiritual, para servir segundo o Novo Testamento, é ser santificado para, exclusivamente, por amor ao rei e ao reino, cuidar da noiva do Senhor sem contaminá-la com o toque do homem natural. Ao cuidar da Igreja (noiva) precisamos passar pela verdadeira emasculação que consiste em sermos transformados pela renovação da mente e separados para um sacerdócio real. Isto implica em abrir mão de nossos interesses, nossas virtudes, nossa capacidade, nossas tradições, nossa disposição pessoal e nossas qualidades naturais, próprias do velho homem para, seguindo o amor, agir sob a orientação do espírito, único arômata agradável ao noivo.
Alguns de nós, cristãos, nem mesmo se contentam com o fato de terem sido escolhidos para tal mister; ainda se lhe dão um título pomposo como forma de garantir o destaque entre os demais. Enquanto isto, o Senhor deseja que nós, seus eunucos, sejamos vistos apenas como “irmãos” e que ajamos, tão somente, como “eunucos” por amor do reino. Um eunuco não põe a mão na rainha. Um cristão genuíno não põe a mão na igreja. Assim como a Rainha é do Rei, a Igreja é do Senhor!
No sacerdócio de Arão, vimos que seus filhos, Nadabe e Abiú, juntamente com o pai, foram escolhidos. Deus queria que eles agissem como eunucos, cuidando, por amor e em santidade, da congregação de Israel de quem Deus se considerava “esposo”. Ao cuidar, aqueles sacerdotes deviam se comportar como um eunuco, e não introduzir no serviço qualquer coisa natural (estranha a Deus).
Embora Arão tivesse abraçado o sacerdócio como Deus queria, e agido como eunuco por amor do reino, seus filhos se comportaram como os eunucos da primeira espécie: aqueles que assim nasceram. Estavam ali oficiando mais por hábito familiar do que por amor ao ofício. Assim resolveram oferecer fogo estranho e morreram. Foi, sem dúvida, uma exclusão definitiva do serviço sacerdotal feita por Deus, pois não lhe cheirou bem, aquele fogo. Não foram diferentes, também, os filhos do sacerdote Eli, Hofni e Fineias. Hoje, quantos de nós ainda nem experimentamos uma conversão genuína, mais por uma tradição de família nos dizemos cristãos e ainda, em alguns casos, até assumimos o governo e os serviços da igreja, conduzindo-a com o nosso toque pessoal! Isso, é queimar incenso com o nosso próprio fogo! Que o Senhor tenha misericórdia e nos faça eunucos por amor.
No sacerdócio Romano, ressurge a figura da segunda espécie de eunuco: aqueles a quem os homens assim o fizeram. Não há comparável violência à do voto do celibato romano (castidade). Ali o noviço sacerdote, mesmo reagindo e não querendo, é convencido por força da imposição do ato ordenatório, e acaba concordando em fazê-lo ainda que às ocultas o descumpra. Na mesma direção têm andado muitos cristãos, que convencidos por razões diversas a serem condutores do rebanho, ao invés de agir como eunucos: mansos, longânimos, amorosos, misericordiosos e confiáveis, comportam-se como Pedro no Getsêmani e usam da espada para decepar a orelha dos Malcos. Disciplinam os irmãos e lhes impõem pesados fardos, além da extorsão patrimonial feita em nome do que chamam de doutrina da prosperidade. A exemplo do sacerdócio Romano, também as suas credencias eclesiásticas, são assinadas por homens após terem sido, para isto, convencidos. Assim aprenderam e assim fazem! Projeta-se mais quem mais arrecada ou quem mais realiza em obras. Confundem presunção com vocação e arrogância com poder do alto. E o mais grave: misturam Igreja com obra, e as medem com a mesma medida e pesam-nas na mesma balança. Nem se dá conta de que são eunucos feitos pelos homens, e não por amor ao reino.
Rogo ao Senhor que sare as nossas orelhas, como sarou a de Malco. Que santifique o nosso ouvido, como fez com Arão, com o sangue da oferta da consagração, para ouvir somente a palavra de Deus e aprender a discernir o falar do eunuco; que abra os nossos olhos, como fez ao cego de nascença para ver somente o que vem em nome do Senhor; que nos ilumine e nos leve, também a nós, a sermos eunucos por amor do reino. Só o amor opera a emasculação interior (de coração), por meio do agir do espírito, neutralizando assim, as obras da carne.
Nesta linha, sendo o objeto da economia de Deus a edificação da Igreja como o Corpo de Cristo, situação em que Ele se encontrará habitando e funcionando plenamente em cada cristão (eunuco), podemos dizer ser indispensável aplicarmos a figura do eunuco ao nosso viver espiritual, como única maneira de cuidarmos da noiva, sem importuná-la. Se não estivermos na condição de eunucos do Senhor (por amor do reino) Ele não nos confiará os cuidados da Rainha. Se fora desta condição agirmos, estaremos consumando um desafio atrevido, e nos expondo à mais veemente reprovação; isso, se não recebermos a repreensão que receberam Nadabe e Abiuú e os filhos de Eli.
Aos eunucos da terceira espécie, aqueles que assim se fizeram por amor do reino, Deus tem garantido uma recompensa. Esta foi registrada por Isaías no capítulo 56 de seu livro: “ Não fale o estrangeiro que se houver chegado ao SENHOR, dizendo: O SENHOR, com efeito, me separará do seu povo; nem tampouco diga o eunuco: Eis que eu sou uma árvore seca. Porque assim diz o SENHOR: Aos eunucos que guardam os meus sábados, escolhem aquilo que me agrada e abraçam a minha aliança, darei a minha casa e dentro dos meus muros, um memorial e um nome melhor do que filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará”. Vv. 3 – 5.
Parece claro que o eunuco da primeira espécie se refere àquele que age seguindo a natureza em que nasceu, a carne. O da segunda espécie, é alguém que não nasceu assim, porém foi persuadido e induzido, na mente, a tomar tal atitude. É, pois, aquele que age de acordo com a alma. Estas duas espécies certamente não agradam a Deus, pois não edificam a sua Igreja. A terceira espécie, portanto, guarda perfeita conformidade com a vontade de Deus, nas palavras do Apóstolo Paulo: “Todos os vossos atos sejam feitos com amor”. 1a. Co 16:14.

Vale à pena ser eunuco por amor do reino.

Senhor, não Ti ofendas comigo, nem me tenha por inconveniente se ainda me dirijo a Ti. Pois, como Jacó em Peniel, não Ti deixarei ir, nem sairei da Tua presença, até que me concedas a graça de ser um eunuco por amor do reino. Esta é a minha oração a Ti, Senhor Jesus! Ei de repeti-la, de coração puro, até que me atendas!

No amor do Senhor.

Irmão João